Amor é importante, paciência é indispensável

Monique Bonomini
3 min readMar 7, 2023

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Foto de Önder Örtel na Unsplash

Eu não gosto de ir à casamentos, e assim este texto começa com uma confissão. Mas eu sou casada, e há casais que eu admiro. Antes de casar eu não gostava das festas de casamento pelo protocolo, a cerimônia, as roupas, tudo muito fastioso. Depois que me casei (fui morar junto e depois regularizei no cartório), o incômodo veio, pois, para mim, nada era mais incompatível com a ideia de casamento, do que aquela fantasia açucarada. Casamento me parecia outra coisa.

No livro, A mulher desiludida, de Simone de Beauvoir, o conto, A idade da discrição, aborda a relação entre um casal de intelectuais que começa a sentir os primeiros sinais da idade, ele, mais velho que ela, assume uma postura mais retraída, ao que ela supõe: “tornei-me um velho hábito que não lhe dá mais nenhuma alegria.”. E quando ele viaja de férias, sem ela, afirma: “A vida a dois exige decisões. ‘A que horas faremos a refeição? O que desejaria comer?’ Na solidão, os projetos se formulam, os atos se sucedem sem premeditação, é repousante”.

Uma a vida a dois precisa de escuta, senão será um morando numa casa com um outro. Senão serão dois repletos de frustrações, que podem acabar deixando de ser dois, por completa incompatibilidade. À medida que o conto de Simone avança, a esposa manifesta seus incômodos ao marido, que justifica porque está ranzinza, porque omitiu uma dor e então, ambos se dão conta de que estavam soterrados por coisas não ditas.

Beauvoir retoma o casal e o tema, em sua novela, Mal-entendido em Moscou. Não há como negar que para a autora o casamento longevo podia separar um casal, ao invés de uni-lo, e essa possibilidade nada tem a ver com o amor ou a falta dele, mas com a falta de comunicação. Ora, não deveria ser um problema ter questões que incomodem o parceiro, o problema deveria residir em não falar sobre isso, sequer saber quais são estas questões.

O casamento é um constante exercício de força, num instante a corda pende mais para um lado, no seguinte para o outro, acreditar que essa balança ficará equilibrada é assumir que o amor pode morrer, enquanto o amor precisa mesmo é ser fortalecido, amar precisa de treino e treino precisa de paciência.

No documentário Zélia — Memórias de Amor, lançado em 2017, assistimos algumas das imagens produzidas por Zélia Gattai ao lado do marido Jorge Amado, desde que comprou sua primeira câmera no exílio em Paris. Chamo a atenção para uma breve passagem em que ele, um escritor já consolidado, opina no trabalho literário dela, cuja primeira publicação se deu somente aos 63 anos. É um trecho curto onde sentimos a corda do casamento esticando, ela quer escrever, ele se preocupa com a qualidade do que ela escreve, há uma disputa de forças ali, que é sutil e amorosa, mas está lá, e desde então eles são um dos meus casais preferidos na literatura.

Levou dois meses desde que conheceu Zélia para Jorge a arrebatar para si, ela de São Paulo, vinda de uma família anarquista italiana, por amor foi viver com ele no Rio e depois na Bahia. Para ela, no livro Navegação de Cabotagem, ele escreveu: “Dá-me tua mão de conivência, vamos viver o tempo que nos resta, tão curta a vida!, na medida de nosso desejo, no ritmo de nosso gosto simples, longe das galas, em liberdade e alegria, não somos pavões de opulência nem gênios de ocasião, feitos nas coxas das apologias, somos apenas tu e eu. Sento-me contigo no banco de azulejos à sombra da mangueira, esperando a noite chegar para cobrir de estrelas teus cabelos, Zélia de Euá envolta em lua: dá-me tua mão, sorri teu sorriso, me rejubilo no teu beijo, laurel e recompensa. Aqui, neste recanto do jardim, quero repousar em paz quando chegar a hora, eis meu testamento.”.

Muitas coisas constroem um casamento, não sei se um grande cerimonial é importante, conversas são importantes, amor é importante, e paciência é indispensável!

Casamento é o tema do conto Um outono a dois, narrado no meu podcast, Abismos para evitar ruínas, acesse e ouça!

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Monique Bonomini

Sou revisora, faço leitura crítica e também escrevo. Ler é um prazer.