O caos é uma ordem por decifrar

Monique Bonomini
3 min readMar 28, 2023

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Imagem de Rupert Kittinger-Sereinig por Pixabay

Tertuliano Máximo Afonso, é um homem divorciado, sem filhos, dono de um apartamento mantido com a ajuda de uma vizinha que o socorre semanalmente com a limpeza. Namora María da Paz e trabalha como professor de História numa escola de ensino secundário. Um dia, Tertuliano se percebe “necessitado de estímulos que o distraiam” e para combater tal mal vai à uma locadora em busca de um filme sugerido pelo seu colega, o professor de Matemática que afirma: “Não é nenhuma obra-prima do cinema, mas poderá entretê-lo durante hora e meia”. Na verdade, o filme o entretém por muito mais que isso, pois ao longo de trezentas páginas José Saramago revela como a pacata vida do professor se transforma quando ele descobre que, perambulando por aí, existe um duplo seu, não um sósia ou um clone, mas alguém que em tudo era como ele, até mesmo na voz.

Esta história insólita, chama-se O homem duplicado, e foi lançada em 2002 e para contá-la, Saramago usou como epígrafe o título deste texto, uma citação fictícia, saída do também inventado por ele, Livro dos Contrários: “O caos é uma ordem por decifrar”.

Num instante levamos uma vida cordata, cumprindo todas as expectativas de uma sociedade que, apesar de exaltar a individualidade, descarrega sobre os indivíduos uma série de regras padronizantes de conduta, etiqueta e mesmo etapas escalonadas, de acordo com a faixa etária, o gênero e a posição social de cada um, mas no outro, quando algo mínimo sai do lugar escapando do roteiro, nos mergulha na desordem.

Em 2013, foi lançado o livro Cadê você, Bernadette?, em que a autora americana Maria Semple, conta a história de uma arquiteta genial, mas reclusa, que desaparece e coloca no seu encalço a filha, o marido e até o FBI.

A princípio a história é caótica, amparada por cartas e trocas de e-mail, vamos descobrindo que Bernardette Fox, é uma mulher que tem uma severa fobia social vivendo numa casa desmoronando com sua família, o marido, que é uma celebridade ao estilo Steve Jobs sempre ocupado com trabalho e a filha que a adora, especialmente porque ela é completamente diferente das mães modelo de seus amigos da escola elitista que frequenta.

Embora o sumiço de Bernadette pareça ser a premissa do livro, o que se percebe é que a pergunta, cadê você?, tem menos a ver com sua localização, e mais com o fato de que Bernardette, está perdida de si mesma, afundada numa depressão, fruto de medos e traumas mal resolvidos.

Os livros mencionados tem personagens antagonistas, enquanto um leva uma vida monótona, o outro vive num ambiente que é uma babel, porém ambos são afrontados com o fato de que a imprevisibilidade da vida simplesmente se impõe, não importa o quanto se queira evitar.

Talvez disso decorra a máxima de que cada escolha carrega uma renúncia, é impossível antever as condições das estradas a percorrer antes de decidirmos qual o caminho seguir, e, se as opções que se apresentarão para um futuro imediato não podem ser previstas, nos obrigando a todo tempo um reajuste de rota, é certo que momentos caóticos eventualmente surgirão. Este texto, por exemplo, só me ocorreu há algumas horas, considerei mesmo que ele não existiria e quando me permiti pensar assim, a ideia para ele surgiu, apenas para confirmar o que aprendi há algum tempo, todo controle é uma ilusão.

Seja você da turma dos que têm a vida toda certinha ou da que só foi vendo ela acontecer em meio ao caos, te convido a conhecer minha personagem de Em busca de aventura, conto narrado no podcast Abismos para evitar ruínas.

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Monique Bonomini

Sou revisora, faço leitura crítica e também escrevo. Ler é um prazer.